Ismália
Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO SIMBOLISMO:
• elementos sombrios
• figuras de som
• antítese
• subjetividade explícita
• emprego de palavras raras
• mística inspiratória entre o
religioso, o grotesco e o mágico
• presença da morte, o desconsolo,
sombrio, melancólico e lúgubre
• o conflito entre a alma e a vida
terrena
• desejo de se pensar sobre o que não
se pode saber
• dor de se viver num mundo sem sentido
• busca pela significação da existência
• o real e o imaginário em constante
disputa
• peleja entre a vida e a morte
• metáforas e ambiguidades
SIMBOLISMO E SURREALISMO
A beleza vista pelo encanto do abandono através do
surrealismo surge como um encanto terreno, transitório, que está no abandono,
nas coisas pequenas, imperceptíveis, uma beleza que existe entre o sonho, a imaginação
e a vida terrena.
O conceito de beleza para o surrealismo se define por
um encanto que vem do inconsciente, transitório, efêmero, fruto da histeria e
da loucura, do maravilhoso, contrário à ideia de beleza racional, do sublime e
do eterno.
“O maravilhoso é sempre belo, qualquer maravilhoso é
belo, só mesmo o maravilhoso é belo” (BRETON, 1985).
Para Breton, o maravilhoso não depende do valor
estético ou moral. A beleza se dá na ausência de todo controle exercido pela
razão, fora de toda preocupação estética ou moral”
O maravilhoso é considerado como uma espécie de
choque, uma sensação convulsiva de admiração, uma perturbação dos sentidos, e
essa sensação vertiginosa torna-se a qualidade da arte. Trata-se do fenômeno que Freud denominou de
“estranho”.
O princípio estético da beleza convulsiva aproxima o
maravilhamento e a morte como categorias do abandono. O encanto e a sensação
perturbadora causada pela imagem dos lugares em abandono são compreendidos por
esse princípio estético.
Os surrealistas deslocam a função original dos objetos
cotidianos transformando-os em objetos perturbadores, deslocam o conceito de
uma beleza centrada sobre a ideia romântica e racionalista para um conceito de
estética convulsivo.
A beleza das ruínas
Heloísa Seixas
A velha está sentada à mesa. As mãos trêmulas cruzadas
à frente, na altura do rosto, como se rezasse. Dessas mãos escorrem veias
grossas que parecem carregar em sua seiva a história de muitas décadas. São
mãos como troncos, como garras de pássaros, de pele áspera e desenhada por
sulcos, veios, nós. Traz manchas de vários matizes, mapas de segredos e
descobrimentos. Há beleza nessas mãos, nesses braços desfeitos. É a mesma
beleza que vemos nas construções antigas, nas ruínas. Só que ali é a pedra - e
não a pele - que nos conta histórias.
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A beleza de ser ruína
Minha mãe dizia que não entendia o sentido de pessoas
pagarem para verem ruínas. "Por que viajar para tão longe para ver coisas
quebradas?". Engraçado, eu amava as admirar. Acho que era uma questão de
ponto de vista. Ela olhava para aqueles pedaços de concreto e cimento e via
apenas isso, apenas uma estrutura demolida pelo tempo, pela guerra. Eu não, eu
via uma história, eu via marcas. Parava diante das ruínas e analisava o formato
das demolições, imaginando o que poderia ter causado justo aquela marca
específica. Olhava e imaginava o medo dos que a viram ruir, o orgulho dos que a
fizeram cair. Imaginava as pessoas que um dia pisaram naquele lugar quando
ainda era uma construção inteira, quando ainda não havia buracos e rachaduras.
Imaginava a dor daqueles que perderam alguém amado no processo, ou a dor
daqueles que tiveram que ver com os próprios olhos a crueldade do ser humano. Havia
tanta beleza numa ruína, numa história a céu aberto. E acho que eu sempre fui
assim, sempre me encantei pelo o que estava aos pedaços, sempre me encantei
pelas histórias que existiam por trás de marcas e cicatrizes. Talvez seja por
isso que me apaixonei por você, amor. Porque no meio de tantas pessoas
inteiras, você era a ruína mais bela. Você tinha uma história pra contar, você
tinha um mistério que me envolvia e me fazia querer inventar quem você tinha
sido antes de lhe acertarem com tudo e derrubarem uma parte da sua estrutura.
Você me forçava a chegar perto e analisar suas marcas tentando descobrir se o
que lhe atingira fora uma flecha, uma bala ou um amor não correspondido. Ah
amor, poderia ter sido tudo de uma só vez pela fragilidade das suas paredes. E
eu amava isso. Amava como tinha segredos de um passado que talvez eu nunca
conhecesse, um passado que lhe transformou no que você é hoje. E amava o
sorriso que você me dava quando eu tocava nas suas feridas e dizia que elas lhe
faziam a construção mais bela que eu já pude contemplar. Ah, pessoas inteiras
nunca poderiam entender a beleza das ruínas. E por mais que até hoje eu queira
lhe roubar a dor que sentiu ao ver aquela bomba lhe acertar, sei que você nunca
precisou de um telhado para estar completa. E quando a noite chega e o céu fica
iluminado pelas estrelas, eu posso contemplar o reflexo delas dentro da sua
estrutura ruída... e ah, como é lindo.
Letícia
O encanto pelas ruínas revela lugares que guardam
memórias afetivas, individuais ou coletivas, lugares que são recipientes de
memória, os quais exigem uma reflexão sobre a destruição da memória dessas
construções abandonadas.
DESAFIO INSPIRATURAS:
“Há beleza nas ruínas”
Em prosa ou em versos.
www.inspiraturas.org
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